Athena e Aracne - Parte final






Tal presunção era mais do que a paciência da deusa pudesse suportar. No mesmo instante, gritou, furiosa:

— Comecemos agora mesmo este concurso! Vou provar tua inferioridade perante a minha sabedoria e poder. Que os Deuses se façam presentes para testemunhar a sua derrota. Mulher miseravel, tu nunca mais bordarás novamente.

As duas mostravam-se extremamente arrogantes e confiantes. Não se podia saber qual seria a vencedora daquele empolgante confronto. Com as ferramentas prontas e a lã separada igualmente, ao sinal da Deusa, as duas começaram a trabalhar. Os dedos ágeis desfiavam a lã e a colocavam rapidamente sob os pentes do tear que tinham à frente. Os fios deslizavam entre os dedos, esticados ao máximo, parecendo as cordas afinadas de um piano. Nem bem saíam da máquina e dedos os capturavam, comprimindo-os sob as agulhas douradas. As mãos tocavam a laçadeira com movimentos rápidos e graciosos. Como se estivessem dançando ao som de melodias celestiais, seus dedos corriam ágeis entre as bobinas coloridas, colocando fio por fio na posição exata. Durante três dias, as concorrentes não pararam nem para comer ou dormir, sob os olhos atentos dos deuses. Ao final do quarto dia, Athena e Aracne terminaram o trabalho diante de Ninfas, deuses e alguns mortais, que estavam ali para o julgamento.

O bordado da deusa Athena era perfeito. Trabalhado com uma perícia sem igual, via-se a Acrópole de Athenas. Lá estavam reunidos todos os deuses do Olimpo, votando para quem deveriam entregar a proteção da cidade de Cécrops: a Athena ou a Posseidon. Nos quatro cantos do grande retrato principal, ela teceu quatro pequenos quadros que retratavam casos de pura arrogância humana e sua punição pelos deuses. Em um, via-se o rei trácio Hémos com sua mulher Ródope, que chamavam-se de Zeus e Hera e foram transformados em montanhas; em outro canto, via-se a infeliz mãe dos pigmeus que, vencida por Hera, foi transformada em garça e obrigada a lutar com seus próprios filhos; no terceiro quadrado estava Antígone, a belíssima filha de Laómedon, que se orgulhava tanto de sua beleza e de seus cabelos que se comparava a Hera e, por isso, teve seus cabelos transformados em serpentes que mordiam durante todo o dia até que Zeus, apiedado, a transformou em cegonha; por fim, retratou Cíniras lamentando o destino de suas filhas, que haviam excitado o ódio de Hera com seu orgulho... A deusa as transformou em degraus de seu próprio templo. Todos esses retratos foram rodeados com uma coroa de folhas de oliveira.

Athena, sem olhar o trabalho de Aracne, já se sentindo vitoriosa, desafiou, mostrando o seu:

— O que haveria de mais criativo e belo para se bordar?

Todos bateram palmas e reconheceram quão maravilhosa ficara a sua arte. Foi então que Aracne mostrou sua obra. Todos fizeram silêncio por alguns minutos. Boquiabertos, eles pareciam enfeitiçados com tamanho esplendor.

— É magnífico! Esplêndido!

Em seu tear, Aracne havia tecido uma cena representando os deuses dominados por sua fraqueza e baixos instintos. Cada detalhe na tapeçaria era um insulto aos deuses do Olimpo. Especialmente, bordara o poderoso Zeus e todos os seus amores proibidos. Aracne ousou ilustrar Zeus sob a forma de touro, arrebatando Europa; sob a forma de águia, abordando Astéria; sob a forma de cisne, conquistando Leda; sob a forma de sátiro, fazendo amor com Antíope. Zeus fazendo-se passar por Anfitríon para seduzir Alcmene, mãe de Heraclés; disfarçando-se de pastor para fazer amor com Mnemosine, mulher-titã; e, ainda, Zeus conquistando Egina, Deméter e Danae, disfarçado de chama, serpente e chuva de ouro, respectivamente. Todos os gráficos foram rodeados por uma coroa de louros com pequenas flores harmoniosas. A jovem estava emocionada com o resultado. Nem ela imaginava que fosse capaz de tal perfeição.

— Tende coragem de aplaudir esta mulher? Ela está ofendendo o poderoso Zeus! Olhai para isto e julgai!

E, como ninguém lhe dava ouvidos, inclusive Hera, que deveria aborrecer-se por tamanha ousadia, Athena puxou sua espada e disse zangada:

— Que pena! Mas que esta seja uma lição para que todos aprendam que a arte nasce do Amor e não da Provocação!

Agarrou a tapeçaria de Aracne e a fez em mil pedaços. A jovem artista gritou, blasfemou, chorou, vendo o trabalho de sua vida destruído pela cólera da Deusa. Não conseguindo suportar tamanha humilhação, correu para fora em desespero à procura da morte. À medida em que Athena rasgava e picotava trabalho tão magnifico, sua raiva ia diminuindo. Por fim, voltando a si, envergonhada, viu o que sua cólera havia provocado. Voltou-se para procurar Aracne e a encontrou pronta para saltar nos braços da morte. Com pena de moça, no momento em que a jovem iria se enforcar, Athena sustentou-a no ar, impedindo que se estrangulasse e, em seguida, derramou sobre Aracne fluídos retirados das ervas da deusa Hécate. A corda transformou-se num fio translúcido e a mortal sentiu que a cabeça e o corpo lhe diminuíam de volume; minúsculas patas lhe substituíram os braços e as pernas, e o resto do corpo se transformou num enorme ventre.

— Viverás, Aracne, mas ainda assim serás punida pela ousadia em querer ridicularizar meu pai. Ficarás para sempre pendurada desta maneira; este será o teu castigo e de toda a tua posteridade.

Já ia dando as costas para se retirar, quando percebeu um ruído vindo da árvore. Voltou-se e viu que a criatura negra movimentava suas pernas com extraordinária agilidade, costurando um manto com uma seda extremamente fina, que retirava de seu dorso abaulado. Aos poucos, Athena viu surgir diante de seus olhos um magnífico bordado circular, que excedia a tudo que ela antes já fizera, como se Aracne, mesmo sob aquela odiosa forma, tivesse se tornado ainda mais talentosa, com seus diversos braços. A Deusa percebeu que, apesar da arrogância e soberba tê-la corrompido, o amor da jovem pela sua arte era puro e verdadeiro. Mesmo naquela forma diminuta e decadente, ela continuava dedicando sua vida a tecer. Do Olimpo, Athena zelaria por ela, pois o tear de Aracne ainda contianuaria encantando as Ninfas, os deuses e os homens por muito tempo.

Athena e Aracne Parte I







Muito se fala que Athena é uma Deusa branda, serena e amante da beleza e da perfeição. Sempe guiada pela sabedoria, prudência, capacidade de reflexão e poder mental. Mas, contavam os antigos que, certo dia, no entando, asssim como o céu claro se turva em nuvens escuras e assustadoras, tbm se turvou o semblante da Deusa.


Havia em Pafos uma mulher conhecida como Aracne - dela provinha grande fama pelo belo dom 
de tecer as mais incríveis artes na tapeçaria. Ela aprimorara o seu dom com o tempo, lapidando a peça rara que estava no manusear dos fios. Até mesmo as linhas sedosas usadas por Aracne eram exepcionais, pois toda a matéria-prima era rigorosamente selecionada, cabendo apenas a mercadores persas e fenícios a honra de fornecê-las. Seus trabalhos eram tão admiráveis que pedidos chegavam dos mais ilustres personagens da história.  Aracne era a mais talentosa fiandeira do lugar e usava os torneios anuais para consolidar a sua fama. Por conta disso, a cada ano diminuía o número de mulheres interessadas em competir.  


Contudo, o que muitas vezes parece ser uma benção na vida de alguns, torna-se facilmente uma maldição. Conforme crescia a fama da tecelã, crescia também a prepotência e a soberba diante dos homens e dos deuses. O trabalho de seus aprendizes passou a lhe servir apenas de pano de trapo, independentemente do esforço ali colocado, do tempo perdido e do amor dedicado. Diante de seus olhos, somente suas próprias obras eram dignas de admiração. Acostumada aos elogios, Aracne não se dava ao trabalho de agradecê-los, muito pelo contrário, adulá-la era um requisito básico para quem desejasse alguma peça feita por tão preciosas mãos.


 - És aprendiz da divina tecelã! Que belo presente o dom que recebeste dela. 
Diziam as bocas que a enalteciam. Mas o que se tratava de um elogio, era para ela a mais terrivel das afrontas. 


 - Ora, mas isso é um absurdo. Nem mesmo a própria Deusa é capaz de tamanha beleza em seus trabalhos. 
Assim decorria em sua mente. Porém, nada dizia e, para não parecer irritada, permitia uma leve risada de desdém. Em sua mente, ela se via então elevada à condição de Deusa das artes manuais, soberana de toda magna Grécia, a dama dos fios de ouro - e outros títulos ainda mais ostensivos .


Muitos foram os dias que Athena placidamente viu-se humilhada por aquela mortal, e nos átrios de sua sabedoria lamentava por tais atitudes. No entanto, conforme a soberba e o orgulho cresciam no coração de Aracne, também crescia a impaciência de Athena. Certo dia, impelida pelos Deuses, Athena resolveu descer e acabar com toda essa arrogância. Primeiro se transformou numa camponesa idosa e bateu à porta da tecelã que atendeu, surpresa. A senhora, muito humildemente disse:


 - Aconselho-a a ser mais discreta minha jovem. Não desafie a honra dos deuses, pois certamente, em algum momento, a ira de algum deles cairá sobre ti. 


 Aquelas palavras, a seu ver, mais pareciam insultos do que conselhos. Cega pela raiva, vociferou: 


 - Que a senhora guarde seus conselhos para as filhas pobres e inúteis que tens. Ora, e que méritos teria eu se devo exclusivamente a ela meus talentos? A nada devo agradecer, se não aos meus anos de esforço e trabalho para chegar a tais resultados. Sou melhor tecelã que ela. Se não, porque então ela evita competir comigo?


Um vento forte e frio de congelar os ossos inundou o lugar, e a voz quase sumida da senhorinha deu lugar a uma voz poderosa e cheia de autoridade:
  
- É esta, então, a idéia que tens de mim, atrevida?!


Disse Athena. E então se desfez do disfarce, surgindo em todo o seu esplendor diante da tecelã e das pessoas que ali estavam. Alguns recuaram assustados, enquanto outros se prostraram diante da Deusa, respeitosos. Aracne, contudo, não se mostrou tão impressionada, continuou de pé com semblante arrogante, encarando a Deusa nos olhos. Nos instantes intermináveis em que o olhar das duas se cruzavam, Aracne se perdia em pensamentos de como desmoralizar a Deusa numa disputa. Como fazer com que as pessoas que se ajoelhavam diante de Athena, no futuro, viessem a se ajoelhar diante dela? Tão logo pensou nisso, propôs o desafio à Deusa e, tamanha era a sua confiança, que assegurou que estava disposta aos seus castigos caso perdesse.

Hashis de marfim



Na antiga China, um jovem príncipe resolveu mandar fazer, de um pedaço de marfim muito valioso, um par de hashis*. Quando isto chegou aos ouvidos de seu pai, que era um homem muito sensato e responsável, este foi ter com seu filho e explicou-lhe:

— Não deves fazer isso, porque esse luxuoso par de hashis pode levar-te à perdição!

O jovem ficou confuso. Não sabia se o pai falava a sério ou se estava a brincar. Mas o rei continuou:

— Quando estiveres à mesa com teus hashis de marfim, verás que não combinam com a louça de barro que usamos à mesa. Vais precisar de copos e tigelas de jade. Ora, as tigelas de jade e os paus de marfim não admitem iguarias grosseiras. Precisarás de cauda de elefante e fígado de leopardo. E quem tiver comido cauda de elefante e fígado de leopardo não vai contentar-se com vestes de cânhamo e uma casa simples e austera. Irás precisar de muita seda e palácios sumptuosos. Ora, para teres tudo isto, vais arruinar as finanças do reino e os teus desejos nunca terão fim. Depressa cairás numa vida de luxo e de despesas sem limite. A desgraça irá atingir os nossos camponeses, e o reino afundar-se-á na ruína e desolação.

Os teus hashis de marfim fazem lembrar a estreita fissura no muro de uma fortaleza, que acaba por destruir toda a construção.
O jovem príncipe esqueceu o seu capricho e mais tarde veio a ser um monarca reputado pela sua grande sensatez.

(Conto do filósofo chinês Han Fei, oito séculos antes da nossa era.)

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Gosto dessa história porque me lembra de uma cena engraçada com minha mãe...
  
No Jardim de Infância uma menina roubou meu casaco e não quis devolver. Para me vingar roubei sua caneta com cheirinho de morango, e só iria devolver se ela me devolvesse o casaco (que tinha meu nome marcado nele ¬¬). Ao chegar em casa minha mãe me viu fazendo os deveres e perguntou:
 - Filha, de onde tu tirou essa caneta da moranguinho?
 Depois de muita enrolação, contei a verdade pra ela. Imaginem uma baixinha ficando vermelha e gesticulando com fervor, falando alto e dizendo: 
 - Criatura, isso é errado... hoje é uma caneta, daqui a pouco vai ser um carro e depois uma casa inteira...
 E assim continuou por váááários minutos...
 
Moral da história, fiquei com tanto medo de me tornar uma ladra de casas inteiras que nunca mais peguei nada de ninguém... rsrsrsrs.
Não foi tão chique quanto o rei, o principe e seus hashis... mas eu entendi o recado. XD
Valeu mãe! ^_^

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*Hashi: palitinhos usados como talheres pelos orientais para pegar alimentos


Pedra, árvore e gente

Muitos dos contos e fábulas que conhecemos hoje, tem uma origem mais assustadora e maligna do que a maioria das pessoas imagina. Essas estórias tinham, em sua maioria, o intuito de assustar as crianças para que elas não fizessem determinadas coisas. Outras eram apenas relatos fantasiados de verdades mais cruas. Séculos depois, estas estórias foram reescritas de forma a tornarem-se mais inocentes e apresentáveis.

Essa prática perdura em muitas das estórias posteriores e o resultado é que estes contos - e aqui eu incluo os folclóricos mais recentes - perderam o interesse para a maioria das pessoas. Passaram a ser vistos como algo sem graça, herança desbotada dos mais velhos ou algo bobo para crianças. Assim, são poucas as pessoas que irão apreciar estas coisas pelo seu valor per se. E é por isso que eu tive essa pequena idéia de transformar algo que, eu confesso, também achava bobo, em algo mais atraente, revelando somente o potencial escondido em uma velha tradição.

Esse conto é dedicado ao meu amor, dona desse blog. Espero que gostem.



Pedra, árvore e gente
(G.F. Matos)

   Um pescador chega em casa depois de passar a madrugada em alto-mar, provendo seu sustento.
Uma fina linha de fumaça pode ser vista saindo da chaminé. O homem encontra a casa aquecida e o café fresco, ainda quente. Sua filha dorme enrodilhada em uma manta velha, aos pés do fogão. Ele recolhe a menina em seus braços e a põe na cama. Sempre que ele chega do mar, ela está a esperá-lo, ainda que, muitas vezes, adormecida. Ele senta junto à mesa e saboreia o café, enquanto se distrai com a respiração leve da menina. Os tempos são difíceis, o trabalho é escasso. Os resultados da pesca mal conseguem suprir a subsistência. Os habitantes da cidade parecem não se importar com isso, e sim com a vida alheia, com estórias rasas e fantasias inúteis.

    No dia seguinte, o homem se dá conta que adormecera na cadeira enquanto pensava na vida e em suas opções. O sol já ia alto e sua filha já havia iniciado as tarefas domésticas. Ele se levantou e a abraçou, ternamente. Desde que sua esposa morrera, a garota era sua única preocupação no mundo. Ele sentia-se muito mal pela sua condição financeira e por não poder dar as coisas que sua filha merecia - afinal, ela era sempre prestativa e o apoiava em tudo. Por isso, havia alguns meses, o pescador guardava cada centavo que lhe sobrava. E naquela semana, ele teria dinheiro suficiente para comprar um presente para sua filha. Com sorte, antes de ter que partir para a alto-mar novamente.

    Foi numa sexta de muito vento que ele voltou para casa arregando um pacote azul com um grande laço de fita vermelha em cima. A menina ficou parada por alguns segundos, olhos arregalados, sem reação. Então correu e abraçou o homem, atentando-se ao pacote só depois que ele lhe afastou carinhosamente. Desfêz o papel gentilmente, dobrando-o para que pudesse usar novamente, secretamente pensando em como retribuir. E lá estavam eles, brilhantes e azuis - um par de sapatinhos de vinil. Sem coragem para calçá-los, ela passou a noite olhando para eles, como se possuíssem um quê de magia. Só desviou sua atenção quando lembrou-se de algo que queria contar a seu pai - uma estória que ouvira da vizinha. Mas o pescador estava cansado e não queria ouvir estória alguma. Já bastava as pessoas medíocres da vila e as vidas alheias que elas gostavam de acompanhar, mais do que a delas próprias. Ademais, ele partiria novamente para alto-mar no dia seguinte.

    Dois dias depois, o homem retorna e encontra a casa quieta e fria. Nenhum sinal de sua filha.
Assustado ele bate nas casas vizinhas em busca de alguma informação, mas tudo que lhe dizem parece loucura, fruto de imaginações férteis, alimentadas por anos de baboseira. O pescador se recusa a acreditar em uma palavra sequer e retorna à casa, com receio que sua paciência se esgote e ele acabe perdendo o controle. Indignado, ele espera por umas poucas horas e depois, não mais suportando a demora, calça suas botas e parte. Rezando para que esteja tudo bem, mas temendo pelo pior, ele vasculha a praia e seus arredores à procura da menina. À luz do lampião, ele procura com cuidado entre as rochas do costão, sem sucesso. As horas avançam e a lua já se faz alta no céu, quando o homem desaba a chorar, já desesperado.

    Sua única alternativa são as histórias sem sentido que seus vizinhos balbuciaram. Talvez elas
tivessem algum fundo de verdade, que fizesse algum sentido. Ele não podia acreditar que havia algo maligno escondido naquele morro. Essas coisas não existiam na vida real, mas talvez a loucura daquele povo tivesse transformado um perigo real em um perigo imaginário - o que só fazia a raiva dele crescer. Talvez, se eles não tivessem distorcido a verdade, sua filha tivesse levado a sério e tomado mais cuidado. Tomado de raiva, o homem pegou um facão e reabasteceu o lampião com querosene. Ele subiria o morro atrás de sua filha e do que quer que houvesse lá em cima. Se nada encontrasse, no entanto, algumas pessoas iam ter que se explicar de uma maneira ou de outra.

    A lua vai alta e as horas mortas já se aproximam, quando ele chega a uma clareira no alto do monte. Uma sensação estranha se apossa do pescador, os pêlos da nuca se eriçam, o estômago embrulha. Um cheiro irreconhecível, porém angustiante, parece preencher o ar noturno. Por um momento ele fraqueja e imagina se a criatura temida pela população é de fato um mito. Ele engole em seco e balança a cabeça, tentando se livrar daqueles pensamentos incoerentes. Enche os pulmões e se prepara para gritar o nome de sua filha, mas pára em meio ao movimento, prendendo a respiração. Um som estranho corta os ruídos noturnos - um som chilreante, como água fervendo. Permanecendo imóvel e concentrado, o homem consegue sentir uma pequena vibração no solo, como centenas de pequenas pancadas distantes. Novamente ele tenta se convencer de que existe uma explicação razoável para aquilo tudo, mas não consegue. Dizem que a coisa come tudo, pedra, árvore e gente. Ele observa uma das árvores ao redor da clareira e percebe marcas peculiares nos troncos, nas pedras. Até a trilha que sai da floresta tem uma marca peculiar.

    O pescador dá um passo atrás e faz menção de virar-se para ir embora, mas algo lhe prende os olhos. Um vulto negro começa a deslizar, saindo de uma das fendas da rocha. O silvo se torna mais alto, mais distinto, assim como a vibração sob seus pés. Aquela criatura saída dos pesadelos se enrodilha e desliza pela encosta - olhos vívidos e malignos refletem a luz prateada do luar, centenas de pequenas patas castigam o chão em uníssono. O pobre pescador nada pode fazer, paralizado de terror. Aquela coisa parece não notar sua presença e vai se afastando, cascateando morro abaixo, como uma serpente feita de sombras e medo. Quando o pobre homem recobra suas capacidades, ele nota que as patas da criatura não são uniformes: cada par parece diferente em tamanho e cor. Quando suas pernas permitem, ele avança cautelosamente, a tempo de ver a cauda do bicho livrar as rochas.

    Ali, mais de perto, ele pode ver melhor a coisa cujo apetite é insaciável. A serpente que tudo come: pedra, árvore e gente. Abaixo dela, centenas de pares de pés - descalços, de botas, de tênis de sapatos. Todos os miseráveis que cruzaram seu caminho ali, condenados a carregar o causador do próprio fim. O pescador sente a boca secar e até mesmo a sua raiva empalidece ante a verdade serpenteante e negra. Suas pernas fraquejam e ele cai quando o último par passa por ele - sapatinhos de vinil, azul e brilhantes.

    Os moradores da vila dizem que, naquela noite ouviu-se um grito terrível vindo do morro. Apesar de ainda haver muita discussão, a maioria das pessoas concorda que o que a voz dizia era:

    - BERNUNÇA!

    E reza a lenda que, depois daquilo, sempre que alguém avista a Bernunça e sobrevive para contar, fala sobre um par de sapatinhos azuis, seguido por botas de pescador.




Arreda, arreda,
Senão ela te come!
Arreda do caminho
Que a Bernúncia tá com fome!

A bernunça é personagem da estória do boi-de-mamão (boi-bumbá ou bumba meu boi).
Diz a cantiga:

TAVA DEITADO NA SOMBRA
QUANDO OUVI FALAR EM GUERRA
QUANDO ACABA ERA A BERNUNÇA
QUE VINHA DESCENDO A SERRA

A BERNUNÇA É UM BICHO BRABO
JÁ ENGOLIU MANÉ JOÃO
COME PÃO, COME BOLACHA
COME TUDO QUE LHE DÃO

(G.F. Matos)

Pequena história explicando o pq do nome da linda praia.


Joaquina

Na Lagoa do século XIX, passou-se uma estória de amor e tragédia envolvendo o jovem casal Joaquina e Alberto. Joaquina filha de seo Aparício e dona Aninha, e Alberto um jovem pescador da Lagoa. Casal amoroso, Joaquina pedia-lhe que não fosse mais ao alto-mar, reclamando da ausência constante do seu amor. Alberto assegurou-lhe então que aquela seria sua última vez. E assim, aconteceu o inesperado. Albertinho não voltou mais do mar desaparecendo da vida de Joaquina na mesma ocasião em que perdera Ana, sua mãe e seu avô, restando-lhe somente o pai para cuidar. Mesmo morando na Lagoa, apesar da recusa do pai, passou a atravessar o areial (dunas) até a praia do mar grosso justificando tirar mariscos das pedras do costão para ajudar no orçamento da casa. Na verdade, estes passeios serviam simplesmente para que, olhando o mar, lembrasse do seu eterno amor. Passados três anos da morte do marido, a moça antes alegre e cheia de vida, demonstrava sinais de mulher sofrida e maltratada pela saudade. Como uma sina que lhe perseguia, numa manhã morre Aparício, em casa, em sua cama, como se entregasse voluntariamente à Deus. Assim, Joaquina deixa a Lagoa para morar na praia do mar grosso, isolando-se numa casa ao pé do costão. Sendo que, ao amanhecer de um dia de setembro sobre as maretas e a areia da praia, Joaquina é encontrada morta. Talvez por não poder mais suportar a falta dos seus entes queridos. A partir daí, a praia do mar grosso passou a ser conhecida como a praia da Joaquina.

(Baseado no livro Joaquina - A Garota da Praia, de Ademar C. de Mello)

Conflito entre dois lobos



Um velho cherokee dava lições de vida aos seus netos.

“Está se travando uma luta dentro de mim. Luta terrível, entre dois lobos.
Um é o medo, a cólera, a inveja, a tristeza, o remorso, a arrogância a auto-piedade, a culpa, o ressentimento, a inferioridade e a mentira.
O Outro é a paz, o amor, a alegria, a delicadeza, a benevolência, a amizade, a empatia, a generosidade, a verdade, a compaixão e a fé.
A mesma luta está se travando dentro de vocês e de todas as outras pessoas…”

As crianças puseram-se a refletir sobre o assunto e uma delas perguntou ao avô:

”Qual dos lobos vencerá?”

O ancião respondeu:

”Aquele que for alimentado…”

Cada vez que decidimos trilhar algum caminho, alimentamos um desses dois lobos.
Qual deles irá vencer dentro de você?

Iniciação dos Cherokees



Essa é uma história enviada por uma amiga muito especial. Se trata de um
rito de passagem da juventude para a maturidade.

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Ao final de uma tarde, quando o sol já vai se deitando para descansar de sua jornada no horizonte, o pai convida seu filho para uma caminhada pelas trilhas da floresta, que os levam até os pés da montanha, e de lá até o topo. Lá em cima, onde os ventos cantam sabedoria e trazem as vozes de nossos ancestrais, o pai venda-lhe os olhos e o deixa.

O jovem fica lá, sentado, sozinho, tendo por companhia apenas ele mesmo toda a noite, não podendo gritar por socorro e nem remover a venda dos olhos.
Enquanto a roda das estrelas vai passando, ele se sente ameaçado e ouve todos os tipos de sons que a noite faz. Se imagina rodeado por animais selvagens ou humanos que podem machucá-lo. Sente frio, fome, sede, medo e os insetos a castigarem sua pele. Mas o jovem se mantém firme e disciplinado, nunca removendo a venda que lhe cobre os olhos.

Assim é até que o sol, com seus dedos quentes e aconchegantes, acariciem seu rosto no dia seguinte e a venda seja removida. Ele então descobre seu pai sentado ao seu lado, próximo a ele. Estava ali, a noite inteira, protegendo seu filho do perigo.

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Obrigada, minha linda, por mais uma história para eu contar ao redor da fogueira, ou deitada numa rede no fim de ano. ^_^

Os Presentes do Rei - Parte Final



Muito embora o rei desempenhasse bem o papel de homem ambicioso, era péssimo no papel de homem malvado. Durante toda a noite, não conseguiu dormir, pensando na pobre mulher, acorrentada.
– Oh, meu Deus, o que é que eu fui fazer? – lamentava-se.
Acordou os soldados e lá marcharam todos, de pijamas, até à gruta para a salvarem. Mas, quando chegaram, o rei encontrou a costureira e o urso a tomarem um pequeno almoço de frutos silvestres e mel. Vendo aquela cena, o rei esqueceu por completo a pena que sentira da costureira e voltou a ficar zangado. Ordenou, então, aos construtores reais de ilhas que construíssem uma ilha tão pequena que a costureira só lá pudesse ficar nas pontas dos pés. Novamente o rei lhe pediu uma manta e novamente ela recusou.
– Muito bem – respondeu o rei. – Esta noite, quando estiveres demasiado cansada para te manteres em pé e quiseres deitar-te para dormir, afogar-te-ás.
E o rei deixou-a só na minúscula ilhota.

Pouco depois de ele partir, a costureira viu um pardal atravessar o grande lago. Soprava um vento forte e violento e o pobre pássaro não parecia capaz de chegar a terra. A costureira chamou-o e ele pousou no ombro dela para descansar. Como o pobre e cansado pardal estava a tremer, a senhora fez-lhe uma capa de um pedaço de tecido do seu colete púrpura. Quando a ave se sentiu mais quente e o vento parou de soprar, levantou vôo de novo, grato pelo o que a costureira lhe tinha feito. Dali a pouco, o céu escureceu devido a uma enorme nuvem de pardais. Com as asas sempre a bater, milhares deles desceram, pegaram na mulher com os seus pequeninos bicos, e levaram-na em segurança para terra.

Novamente nessa noite, o rei não conseguia dormir a pensar na senhora, sozinha na ilha.
– Oh, meu Deus, o que é que eu fui fazer? – lamentava-se.
Voltou a acordar os soldados que estavam a dormir e lá marcharam, de pijamas, até o lago, para libertarem a costureira. Mas, quando chegaram, ela estava sentada no ramo de uma árvore a coser minúsculas capas cor de púrpura para todos os pardais.
– Desisto! – gritou o rei. – O que tenho de fazer para me dares uma manta?
– Como já te disse – respondeu ela – oferece tudo o que tens e eu faço-te uma manta. E, por cada prenda que dês, acrescento mais um quadrado à tua manta.
– Não consigo fazer isso! – gritou o rei. – Eu adoro todas as minhas lindas e maravilhosas coisas.
– Mas, se elas não te fazem feliz – retorquiu a costureira – para que servem?
– Lá isso é verdade – suspirou o rei.

E então ele pensou muito, muito no que ela dissera. Pensou durante tanto tempo, que as semanas se sucederam umas às outras.
– Pronto, está bem – disse entredentes. – Se tenho de me libertar dos meus tesouros, então que seja!
Dito isso, o rei regressou ao castelo e procurou, de uma ponta a outra, qualquer coisa da qual conseguisse abdicar. De semblante franzido, lá acabou por encontrar um simples berlinde. Acontece que, ao receber o presente, o rapazinho retribuiu o gesto com um sorriso tão radiante, que o rei regressou ao castelo para ir buscar mais coisas. Por fim, pegou num amontoado de casacos aveludados e foi distribuí-los às pessoas vestidas de trapos. Ficaram todas muito contentes, mas, ainda assim, o rei não sorria.

Em seguida, foi buscar uma centena de gatos siameses azuis, que dançavam valsas, e uma dezena de peixes transparentes como vidro. Depois, deu ordem para que trouxessem para fora o carrocel com os cavalos verdadeiros. As crianças gritaram de entusiasmo e puseram-se a dançar em redor dele. O rei olhou à sua volta e viu as danças, a felicidade e a alegria que os seus presentes tinham trazido. Uma criança pegou-lhe na mão e puxou-o para dançar. O rei agora sorria e até soltava gargalhadas.
– Como é isto possível? – exclamou. – Como é possível eu sentir-me tão feliz por dar as minhas coisas? Tirem tudo cá para fora! Tirem tudo imediatamente!

Nesse ínterim, a costureira manteve a sua palavra e começou a fazer uma manta especial para o rei. Por cada presente que ele dava, ela acrescentava outro quadrado à manta.
O rei continuou a dar e dar. Quando, por fim, não havia mais ninguém que não tivesse recebido alguma coisa, o rei decidiu ir pelo mundo e procurar outras pessoas que precisassem das suas prendas.
Antes de partir, no entanto, o rei prometeu à costureira que lhe enviaria um pardal todas as vezes que desse alguma coisa. De manhã, à tarde e à noite, as carroças partiam da cidade, cada uma delas carregada até em cima com todos os objetos maravilhosos do rei. E durante anos e anos, os pardais mensageiros foram voando até ao peitoril da janela da costureira, à medida que ele ia esvaziando lentamente os seus carros, por onde quer que passasse, e trocava os seus tesouros por sorrisos.

A costureira trabalhava sem parar e, pedaço a pedaço, a manta do rei foi crescendo, cada vez maior e mais bonita.
Por fim, certo dia, um pardal cansado entrou-lhe pela janela e pousou na agulha. A costureira compreendeu imediatamente que este era o último mensageiro. Deu o último ponto na manta e desceu a montanha em busca do rei. Após uma longa busca, encontrou-o finalmente. As suas vestes reais estavam agora em farrapos e os dedos dos pés espreitavam-lhe das botas. Os olhos brilhavam de alegria e o riso era maravilhoso e sonoro. A costureira retirou do saco a manta e desdobrou-a. Era de tal forma bela, que borboletas e colibris esvoaçavam à sua volta. Ergueu-se nas pontas dos pés e pô-la à volta do rei.
– O que é isto? – exclamou ele.
– Prometi-lhe há muito tempo – disse ela – que quando fosses pobre, te daria uma manta.
O riso radiante do rei fez cair maçãs e levou as flores a voltarem-se para ele.
– Mas eu não sou pobre – disse. – Posso parecer pobre mas, na verdade, o meu coração está cheio a mais não poder - cheio com as recordações de toda a alegria que dei e recebi. Agora sou o homem mais rico.
– Mesmo assim, fiz esta manta só para ti – disse a costureira.
– Obrigado – respondeu o rei. – Mas só fico com ela se aceitares uma prenda minha. Há um último tesouro que ainda não dei. Guardei-o todos estes anos só para ti.
O rei retirou o próprio trono do carro velho e frágil.
– É mesmo muito confortável – disse o rei. – Ideal para quem passa longos dias a coser.
A partir desse dia, o rei voltou muitas vezes à casa da costureira de colchas, que ficava bem lá em cima, perto das nuvens. Durante o dia, a costureira fazia lindas colchas que não vendia e, à noite, o rei levava-as para a cidade. Procurava, então, os pobres e infelizes, pois nunca se sentia tão feliz como quando dava alguma coisa a alguém.

Os Presentes do Rei - Parte I


Era uma vez, uma costureira de colchas que vivia numa casa velhinha, nas montanhas de bruma azulada. Até o mais idoso dos tetravôs não se lembrava de um tempo em que ela não estivesse lá em cima a coser, dia após dia.

Aqui e ali, e onde quer que o sol aquecesse a terra, dizia-se que ela fazia as colchas mais belas que um dia se tenha visto. Os azuis pareciam vir do mais profundo do oceano; os brancos, das neves mais boreais; os verdes e os púrpuras, das abundantes flores silvestres; os vermelhos, os cor-de-rosa e os cor-de-laranja, do mais maravilhoso dos pores-do-sol. Algumas pessoas diziam que os seus dedos eram mágicos, outras murmuravam que as suas agulhas e tecidos eram dádivas do povo das fadas. Diziam ainda, que as colchas tinham caído de anjos que por ali passavam.

Muita gente subia a montanha, com os bolsos a abarrotar de ouro, na esperança de comprar uma daquelas maravilhosas colchas. No entanto, a costureira não as vendia:
– Dou as minhas colchas aos que são pobres ou não têm casa – dizia a todos os que lhe batiam à porta. – Não são para os ricos.

Nas noites mais frias e escuras, a costureira descia até a cidade, que ficava no sopé da montanha, e percorria as ruas calcetadas até encontrar alguém a dormir ao relento. Então, tirava do saco uma manta novinha, enrolava-a nos ombros dos que tremiam de frio, aconchegava-os bem, e afastava-se depois nas pontas dos pés. No dia seguinte, depois de beber uma chávena fumegante de chá de amoras, começava uma nova manta.

Por esta altura, vivia também um rei, senhor de muito poder e ambição, que, mais do que tudo, gostava de receber presentes. As milhares e milhares de lindíssimas coisas que recebia pelo Natal e pelo seu aniversário nunca lhe bastavam. Proclamou, então, uma lei que dizia que o rei passaria a festejar o seu dia de aniversário duas vezes por ano. Quando isto também deixou de o satisfazer, deu ordens aos seus soldados para procurarem pelo reino as poucas pessoas que ainda não lhe tinham dado presente algum. No decurso dos anos, o rei foi ficando com quase todas as coisas mais bonitas do mundo. Os seus inúmeros bens estavam empilhados por todo o castelo. Em gavetas ou prateleiras, em caixas e arcas, em armários e sacos.

Coisas que brilhavam, cintilavam e tremeluziam.
Coisas extravagantes e práticas.
Coisas misteriosas e mágicas.
Eram tantas, que o rei tinha uma lista de tudo o que possuía.

Mas, apesar de ser dono de todos estes tesouros maravilhosos, o rei não sorria. Não era nada feliz:
– Deve haver, em algum lugar, algo de bonito que me faça sorrir novamente – ouvia-se o rei dizer muitas vezes. – E hei-de tê-lo.

Um dia, um soldado entrou precipitadamente no castelo com a notícia de uma mágica costureira de colchas que vivia nas montanhas. O rei bateu com o pé no chão:
– E por que razão essa pessoa nunca me deu nenhuma das suas colchas de presente? – perguntou ele.
– Ela só as faz para os pobres, Vossa Majestade – respondeu o soldado. – E não as vende por dinheiro algum.
– Isso é o que vamos ver! – bradou o rei. – Tragam-me um cavalo e mil soldados.
E assim, partiu à procura da costureira de colchas.

Quando chegaram à casa dela, esta limitou-se a rir:
– As minhas colchas são para os pobres e necessitados e vê-se facilmente que não és nem uma coisa nem outra.
– Eu quero uma dessas colchas – exigiu o rei. – Talvez seja o que finalmente me fará feliz.
A mulher pensou por um momento.
– Oferece tudo o que tens – disse – e então far-te-ei uma manta. Por cada coisa que deres, acrescento um quadrado à manta. Quando tiveres dado todas as tuas coisas, a tua manta estará terminada.
– Dar todos os meus maravilhosos tesouros? – gritou o rei. – Eu não dou, eu recebo!
E, dito isto, deu ordem aos soldados para se apoderarem da linda manta de estrelas da costureira. Mas, quando se precipitaram sobre ela, a mulher lançou a manta pela janela e uma forte rajada de vento a levou. O rei ficou muito zangado e levou a costureira montanha abaixo, atravessando a cidade e subindo outra montanha. Lá em cima, seus ferreiros reais fizeram uma grossa pulseira de ferro e, então, a costureira foi acorrentada em uma gruta onde um urso dormia. O rei pediu-lhe novamente uma manta, e uma vez mais ela recusou.
– Muito bem, então – respondeu o rei. – Vou te deixar aqui. Quando o urso acordar, tenho certeza de que vai fazer de ti um ótimo pequeno almoço.

Quando, algum tempo mais tarde, o urso abriu os olhos e viu a costureira na gruta, equilibrou-se nas fortes pernas traseiras e soltou um rugido que sacudiu os ossos da mulher. A costureira ergueu os olhos para o urso e abanou tristemente a cabeça.
– Não admira que sejas tão resmungão – disse. – Para além de rochas, não tens nada onde possas, à noite, descansar a cabeça. Arranja-me um braçado de agulhas de pinheiro e, com o meu xale, far-te-ei uma almofada grande e fofa. E foi isso que fez. Nunca ninguém fora antes tão amável para com o urso, que partiu a pulseira de ferro da mulher e pediu que lhe fizesse companhia durante a noite.

Continua...

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Essa e as outras estórias foram todas coletadas de diversas fontes, a última foi encontrada enquanto eu navegava pela web :)

Quem tiver mais alguma pergunta, levante a mão... :P


Mahura - Aquela que trabalha

(Mito Africano)

Numa tribo distante, em tempos remotos, lá na África, um grupo de crianças perguntou ao velho e sábio sacerdote o porque de o céu ser tão belo e estar tão longe da terra. O sacerdote em sua sabedoria contou-lhes uma história que é mais ou menos assim:

“Quando Olorum criou o universo, o céu e a terra viviam juntos e em perfeita harmonia. As nuvens brincavam no chão junto às pedras. O vento divertia-se pregando peças nas folhas das palmeiras que dançavam ao som da brisa suave. As gotas de chuva misturavam-se às águas das cachoeiras e quase não se percebia a diferença entre os elementos do céu e os da terra. Essa harmonia perfeita durou muito tempo.

Um dia a terra resolveu que havia chegado a hora de ter um filho, pois sendo a terra, era a geradora da vida. E a terra teve uma filha a qual deu o nome de MAHURA (que significa aquela que trabalha). Mahura cresceu depressa e como seu nome dizia era muito trabalhadeira.
Durante o dia, Mahura cuidava dos ciclos da natureza e, à noite, ao invés de descansar sentava-se ao chão perto de um enorme pilão onde passava a triturar raízes, sementes e cascas. O pilão era mágico e quanto mais era usado, mais crescia. Mahura usava uma enorme mão-de-pilão para triturar as raízes e cada vez mais utilizava força para bater.
Com isso começou a machucar o céu que a princípio gemia baixinho mas, depois não suportando as dores causadas pela mão-de-pilão de Mahura, passou a reclamar. Mahura apenas dizia:

- Céu, sobe só um pouquinho.

Com isso o céu foi se distanciando cada vez mais chegando ao ponto de as nuvens não alcançarem mais o chão para brincar nem as gotas de chuva conseguiam mais molhar o solo que foi enfraquecendo e empobrecendo. Só então a pequena Mahura se deu conta do que havia feito e decidiu pedir desculpas ao céu para que ele voltasse.
Procurando um presente a menina retirou do leito de um rio, que teimava em correr, uma pepita dourada à qual deu o nome de sol. Do fundo de uma caverna escura retirou uma pedra branca e reluzente à qual deu o nome de lua. Atirou os presentes bem para o alto, um de cada lado do céu como pedido de desculpas. O céu aceitou os presentes, mas decidiu ficar lá no alto, pois era mais seguro.

Assim contaram, assim lhes contei: se dúvida tiverem do causo aqui narrado, olhem à noite para o céu. As estrelas que virão brilhando nada mais são do que as cicatrizes deixadas pelo pilão de Mahura.