A Arte de Resolver Conflitos




Ainda sou fraca, mas estou aprendendo.
Ótima história que me fez refletir muito sobre algumas situações em minha vida.
Espero que apreciem e reflitam.


"Violência gera violência, os fracos julgam e condenam, porém os fortes perdoam e compreendem."
Augusto Cury

O trem atravessava sacolejando os subúrbios de Tóquio numa modorrenta tarde de primavera. Um dos vagões estava quase vazio: apenas algumas mulheres e idosos e um jovem lutador de Aikidô.
O jovem olhava, distraído, pela janela, a monotonia das casas sempre iguais e dos arbustos cobertos de poeira. Chegando a uma estação as portas se abriram e, de repente, a quietude foi rompida por um homem que entrou cambaleando, gritando com violência palavras sem nexo. Era um homem forte, com roupas de operário. Estava bêbado e imundo. Aos berros, empurrou uma mulher que carregava um bebê ao colo e ela caiu sobre uma poltrona vazia. Felizmente nada aconteceu ao bebê. O operário furioso agarrou a haste de metal no meio do vagão e tentou arrancá-la. Dava para ver que uma das suas mãos estava ferida e sangrava.

O trem seguiu em frente, com os passageiros paralisados de medo e o jovem se levantou. O lutador de Aikidô estava em excelente forma física. Treinava oito horas todos os dias, há quase três anos. Gostava de lutar e se considerava bom de briga. O problema é que suas habilidades marciais nunca haviam sido testadas em um combate de verdade. Os alunos são proibidos de lutar, pois sabem que Aikidô é a arte da reconciliação. Aquele cuja mente deseja brigar perdeu o elo com o Universo. Por isso o jovem sempre evitava envolver-se em brigas, mas no fundo do coração, porém, desejava uma oportunidade legítima em que pudesse salvar os inocentes, destruindo os culpados. Chegou o dia! Pensou consigo mesmo. Há pessoas correndo perigo e se eu não fizer alguma coisa é bem possível que elas acabem se ferindo. O jovem se levantou e o bêbado percebeu a chance de canalizar sua ira.

- Ah! Um valentão! Você está precisando de uma lição de boas maneiras!

O jovem lançou-lhe um olhar de desprezo. Pretendia acabar com a sua raça, mas precisava esperar que ele o agredisse primeiro, por isso o provocou de forma insolente. 

- Agora chega! Você vai levar uma lição. 

Gritou o bêbado se preparando para atacar. Mas, antes que ele pudesse se mexer, alguém deu um grito: 

- Hei!

O jovem e o bêbado olharam para um velhinho japonês que estava sentado em um dos bancos. Aquele minúsculo senhor vestia um quimono impecável e devia ter mais de setenta anos. Não deu a menor atenção ao jovem, mas sorriu com alegria para o operário, como se tivesse um importante segredo para lhe contar.

- Venha aqui. 

Disse o velhinho, num tom coloquial e amistoso. 

- Venha conversar comigo.
Insistiu, chamando-o com um aceno de mão. O homenzarrão obedeceu, mas perguntou com aspereza: 

- Por que diabos vou conversar com você?

O velhinho continuou sorrindo. 

- O que você andou bebendo? 

Perguntou, com olhar interessado.

- Saquê. 

Rosnou de volta o operário. 

- E não é da sua conta!

Com muita ternura, o velhinho começou a falar da sua vida, do afeto que sentia pela esposa, das noites que sentavam num velho banco de madeira, no jardim, um ao lado do outro.

- Ficamos olhando o pôr-do-sol e vendo como vai indo o nosso caquizeiro. 

Comentou o velho mestre.
Pouco a pouco o operário foi relaxando e disse: 

- É, é bom. Eu também gosto de caqui...

- São deliciosos. 
Concordou o velho, sorrindo. 

- E tenho certeza de que você também tem uma ótima esposa.

- Não. Minha esposa morreu.

Falou o operário e, suavemente, acompanhando o balanço do trem, começou a chorar.

- Eu não tenho esposa, não tenho casa, não tenho emprego. Eu só tenho vergonha de mim mesmo.

Lágrimas escorriam pelo seu rosto. E o jovem estava lá, com toda sua inocência juvenil, com toda a sua vontade de tornar o mundo melhor para se viver, sentindo-se, de repente, o pior dos homens. 
O trem chegou à estação e o jovem desceu. Voltou-se para dar uma última olhada. O operário escarrapachara-se no banco e deitara a cabeça no colo do velhinho, que afagava com ternura seus cabelos emaranhados e sebosos.

Enquanto o trem se afastava, ainda envergonhado, o jovem ficou meditando. 

- O que eu pretendia resolver pela força foi alcançado com algumas palavras meigas. 

E aprendeu, através de uma lição viva, a arte de resolver conflitos.

O Estratagema de Ísis

 (ou "Ísis a fodona" como gosto de pensar XP)






O tempo é imparcial, inexorável, devora sem escolha e sua fome é insaciável. Os deuses, inquietos, percebiam que nem mesmo o grande Deus egípcio do sol era imune a ele. Seu estado piorava com o passar do tempo: sua capacidade de julgamento estava, a cada dia, mais nublada. Seus membros iam ficando rígidos; pouco a pouco, seus ossos se convertiam em prata e seu corpo em ouro. Mas, mesmo com o tempo a lhe devorar aos poucos, ele ainda era muito poderoso e sábio, e quase tão sábia quanto ele era sua neta, Ísis, a Deusa da magia, da cura, do amor e do trono. O único conhecimento que faltava a Deusa, era justamente aquele que lhe daria os imensos poderes de uma Deusa de primeira grandeza: O verdadeiro nome do Deus Sol.

Todos os dias, com grande dificuldade, o Deus solar caminhava com sua comitiva ao longo da mesma estrada até seu barco solar, que o levava na jornada da terra dos vivos no Oriente até a terra dos mortos no Ocidente. Um dia, numa dessas idas ao barco solar, ele foi acometido por uma forte tosse e, antes de seguir caminho, cuspiu no chão para se livrar do pigarro indesejado. Escondida ali perto, atrás de um espesso arbusto, se encontrava Ísis que, vendo seu avô já ao longe, saiu do esconderijo e correu até onde ele havia cuspido. Com seus conhecimentos em magia, misturou a saliva com a terra entre seus dedos, e dessa lama amassada formou uma serpente. No dia seguinte, quando o Deus novamente saiu para percorrer o firmamento com sua barca, Ísis, escondida, soprou vida à serpente e a soltou em seu caminho. A víbora, mais do que rápido, mordeu o pé do velho Deus que sentiu uma dor aguda e gritou:

- Que é isso?! Que me aconteceu?

Uma fraqueza extraordinária desceu sobre ele; seus dentes batiam com violência, seus braços e pernas tremiam. O veneno se espalhava rapidamente e ele deixou-se cair ao chão, convulsionado pelos espasmos de dor que lhe sacudiam o corpo. Aterrorizado, o grande deus Sol conseguiu reunir um pouco de força e disse:

- Vinde para perto, todos vós que nascestes de mim.

Ao seu redor, vindos de todas as partes do universo, foram se reunindo os deuses chamados por sua vóz divina, e claro, lá também estava Ísis. Ao ouvir todos seus filhos e netos a lhe prantear, o Deus disse:

- O coração me queima e o corpo me treme. Sinto-me mais frio que a água e mais quente que o fogo. Meus olhos estão vidrados e eu não consigo ver o Céu. Embora nada tenha visto e minhas mãos nada tenham alcançado, sei, em meu coração, que fui ferido por coisa mortífera.

Foi a então que Ísis se destacou do círculo formado em torno do Deus moribundo e falou:

- Alguma das criaturas que criastes levantou a cabeça contra ti, pai? Certamente foi uma serpente, divino sol, que com seu poderoso veneno causou o mal que atormenta teu corpo. Tenho certeza que com o encantamento correto posso livrar-te deste mal. Mas terás de dizer a mim teu nome.

O velho Deus está a ponto de desmaiar e se retorce no chão. Embora não queira revelar o segredo, precisa dar uma resposta a Ísis. Desesperado, limita-se a enumerar os diversos nomes que todos conhecem.

- Sou Quéfri de manhã, Rá ao meio-dia e Aton ao entardecer. Muitos são meus nomes. Eu sou o Deus do não ser. Somente meu pai me chama pelo meu verdadeiro nome. Ele me deu esse nome para que niguém pudesse me enfeitiçar com magias e assim se apoderasse de minha eterna sabedoria.

Ísis, muito esperta, não se deixa enganar e insiste:

- Dize a verdade, e minha magia pode livrar-te para sempre dessa dor. Qual é esse verdadeito nome, então, aquele que seu pai te deu?

De maneira alguma ele dizia seu verdadeito nome. E cada vez mais seus gritos ecoavam entre os mundos. No entanto, nenhum Deus intervinha e Ísis insistiu uma vez mais:

- Diga-me pai, qual seu verdadeito nome, e eu te ajudarei com minhas palavras mágicas. Meu encantamento só será eficaz se me revelares teu verdadeiro nome. Com um feitico lançado com teu nome secreto, poderei para sempre retirar o veneno do teu corpo.

O Deus ainda hesitou e resistiu o quanto pode, mas desde que não parecia haver descréscimo  na fúria da dor, cedeu:

- Vem cá! Vou derramar em teu coração o poder que está no meu.

Ísis aproxima-se dele, que a contragosto, sussurra em seu ouvido:

- Meu nome secreto é Rá. Este é o nome dado a mim por meu pai.

Fortalecida pelo segredo, Ísis pronuncia as únicas palavras mágicas capazes de quebrar o encantamento. Imediatamente, Rá recupera a saúde. O grande Deus Rá fica muito aborrecido por ter sido obrigado a entregar a essência de seu poder, mas Ísis está feliz: acaba de transformar-se numa das maiores divindades, senão, a mais poderosa de todas.

The Lady of Shalott





Lua cheia no céu, chá de hortelã e cidreira fumegante na xícara velha, cigarro no cinzeiro e viajando nas lembranças do mar e de contos conhecidos, me deparei com o poema sobre a Senhora de Shalott. A curiosidade pelo conto me foi apresentada por minha mãe, quando trouxe para casa o primeiro Cd de Loreena Mckennitt que eu iria ouvir.

Bem, deixo vocês com o poema e, para aqueles que preferem ler em forma de conto, deixo aqui o endereço onde a estória é hospedada.
Espero que apreciem. Boa leitura!

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A Senhora de Shalott.

E ao luar, o ceifador cansado,
Empilhando feixes em terras altas arejadas,
Presta atenção e sussurra
"Esta é a fada Senhora de Shalott".

Salgueiros embranquecem, álamos estremecem,
Pequenas brisas escurecem e arrepiam
Através das ondas que correm para sempre
Próximas à ilha no rio
Desaguando em Camelot.

Quatro muros cinzentos, e quatro torres cinzentas,
Dão vista para um espaço de flores,
E a ilha silenciosa abriga
A Senhora de Shalott.

Seu cenho amplo e largo ao sol brilhava;
Sobre cascos lustrosos seu cavalo de guerra avançava;
Por baixo de seu capacete escapavam
Seus cachos pretos como carvão enquanto cavalgava,
Enquanto cavalgava na direção de Camelot.

À distância de uma flechada dos aposentos dela,
Ele cavalgava por entre os feixes de cevada,
O sol aparecia ofuscante por entre as folhas,
E ardia por sobre as armaduras de bronze
Do ousado Sir Lancelot.

Tudo naquele clima azul e sem nuvens
O couro da sela brilhava como se fosse incrustado,
O capacete e a pena do capacete
Ardendo como uma única chama que queima junta,
Enquanto ele cavalgava na direção de Camelot.

Ela deixou a teia, deixou o tear,
Deu três passos através do quarto,
Viu o lírio d'água florescer,
Viu o capacete e a pena,
Olhou ao longe para Camelot.

Lá ela tece noite e dia
Uma teia mágica com cores alegres.
Ela ouviu um sussurro dizer,
Uma maldição recairá sobre ela se continuar
A olhar ao longe para Camelot.

Ela não sabe que maldição pode ser,
E assim ela tece continuamente,
E poucas outras preocupações ela tem,
A Senhora de Shalott.

Como sempre acontece na noite púrpura,
Sob os aglomerados de estrelas brilhantes,
Algum meteoro barbado, com um rastro de luz,
Movimenta-se acima da pacata Shalott.

Mas ela ainda regozija em sua teia
Tecendo as visões mágicas do espelho,
Porque com freqüência em noites silenciosas
Um enterro, com plumas e luzes,
E música, ia até Camelot:

E às vezes pelo espelho azul
Os cavaleiros vêm cavalgando dois a dois:
Ela não tem nenhum cavaleiro real e verdadeiro,
A Senhora de Shalott.

Ali o rio faz um redemoinho,
E ali os aldeões mal-humorados,
E as capas vermelhas das moças da feira,
Passam vindos de Shalott.

E movendo-se por um espelho claro
Que pende diante dela todo o ano,
Sombras do mundo aparecem.
Ali ela vê a estrada mais próxima
Serpenteando até Camelot:

Ou quando a Lua ia alta no céu,
Vinham dois jovens amantes recém-casados;
"Estou meio cansada de sombras", disse
A Senhora de Shalott.

Um cavaleiro de cruz-vermelha eternamente ajoelhado
Para uma senhora em seu escudo,
Que brilhava no campo amarelo,
Além da remota Shalott.

A teia voou para fora e saiu flutuando;
O espelho rachou-se de lado a lado;
"A maldição recaiu sobre mim!", exclamou
A Senhora de Shalott.

E pela extensão obscura do rio...
Como um vidente ousado em transe,
Ao enxergar todo o seu desfortúnio...
Com semblante vidrado
Foi que ela olhou para Camelot.

Ela desceu e encontrou um bote
Flutuando largado sob um salgueiro,
E por toda a extensão da proa ela escreveu
A Senhora de Shalott.

E ao encerrar-se o dia
Ela soltou a corrente e deitou-se;
O largo rio carregou-a para longe.
A Senhora de Shalott.

Lá deitada, vestida de branco neve
Esvoaçando solta para lá e para cá...
As folhas sobre ela caindo com leveza...
Através dos ruídos da noite,
Ela foi flutuando até Camelot:

Ouvindo um hino, pesaroso, sagrado,
Cantando alto, cantando baixo,
Até que seu sangue foi se congelando lentamente,
E seus olhos se escureceram por completo,
Voltados para Camelot que se avultava.

Porque antes de alcançar com a maré
A primeira casa à margem do rio,
Cantando sua canção ela morreu,
A Senhora de Shalott.

Lutando em meio ao tempestuoso vento leste,
O bosque amaralo-pálido ia minguando,
O largo rio em suas margens reclamava.
As nuvens baixas no céu choviam pesado
Sobre Camelot que se avultava.

Sob torres e sacadas,
Passando pelos muros dos jardins e pelas galerias,
Como um vulto cintilante ela foi flutuando,
Com palidez mortal entre as casas altas,
Silenciosa, penetrando em Camelot.

E enquanto a proa do bote ia avançando
Entre as colinas de salgueiros e os campos,
Ouviram-na cantar sua última canção
A Senhora de Shalott.

Para o cais todos foram,
Cavaleiro e burguês, lorde e dama,
E por toda a extensão da proa eles leram seu nome,
A Senhora de Shalott.

Quem é esta? e o que está aqui?
E o palácio iluminado próximo
Morreu o som da alegria real;
E fizeram o sinal-da-cruz por medo,
Todos os Cavaleiros de Camelot:

Mas Lancelot refletiu por um instante,
Ele disse: "Ela tem um rosto adorável;
Deus em sua misericórdia cedeu-lhe graça,
A Senhora de Shalott."

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Longo porém belo como só um poema poderia ser.

Athena e Aracne - Parte final






Tal presunção era mais do que a paciência da deusa pudesse suportar. No mesmo instante, gritou, furiosa:

— Comecemos agora mesmo este concurso! Vou provar tua inferioridade perante a minha sabedoria e poder. Que os Deuses se façam presentes para testemunhar a sua derrota. Mulher miseravel, tu nunca mais bordarás novamente.

As duas mostravam-se extremamente arrogantes e confiantes. Não se podia saber qual seria a vencedora daquele empolgante confronto. Com as ferramentas prontas e a lã separada igualmente, ao sinal da Deusa, as duas começaram a trabalhar. Os dedos ágeis desfiavam a lã e a colocavam rapidamente sob os pentes do tear que tinham à frente. Os fios deslizavam entre os dedos, esticados ao máximo, parecendo as cordas afinadas de um piano. Nem bem saíam da máquina e dedos os capturavam, comprimindo-os sob as agulhas douradas. As mãos tocavam a laçadeira com movimentos rápidos e graciosos. Como se estivessem dançando ao som de melodias celestiais, seus dedos corriam ágeis entre as bobinas coloridas, colocando fio por fio na posição exata. Durante três dias, as concorrentes não pararam nem para comer ou dormir, sob os olhos atentos dos deuses. Ao final do quarto dia, Athena e Aracne terminaram o trabalho diante de Ninfas, deuses e alguns mortais, que estavam ali para o julgamento.

O bordado da deusa Athena era perfeito. Trabalhado com uma perícia sem igual, via-se a Acrópole de Athenas. Lá estavam reunidos todos os deuses do Olimpo, votando para quem deveriam entregar a proteção da cidade de Cécrops: a Athena ou a Posseidon. Nos quatro cantos do grande retrato principal, ela teceu quatro pequenos quadros que retratavam casos de pura arrogância humana e sua punição pelos deuses. Em um, via-se o rei trácio Hémos com sua mulher Ródope, que chamavam-se de Zeus e Hera e foram transformados em montanhas; em outro canto, via-se a infeliz mãe dos pigmeus que, vencida por Hera, foi transformada em garça e obrigada a lutar com seus próprios filhos; no terceiro quadrado estava Antígone, a belíssima filha de Laómedon, que se orgulhava tanto de sua beleza e de seus cabelos que se comparava a Hera e, por isso, teve seus cabelos transformados em serpentes que mordiam durante todo o dia até que Zeus, apiedado, a transformou em cegonha; por fim, retratou Cíniras lamentando o destino de suas filhas, que haviam excitado o ódio de Hera com seu orgulho... A deusa as transformou em degraus de seu próprio templo. Todos esses retratos foram rodeados com uma coroa de folhas de oliveira.

Athena, sem olhar o trabalho de Aracne, já se sentindo vitoriosa, desafiou, mostrando o seu:

— O que haveria de mais criativo e belo para se bordar?

Todos bateram palmas e reconheceram quão maravilhosa ficara a sua arte. Foi então que Aracne mostrou sua obra. Todos fizeram silêncio por alguns minutos. Boquiabertos, eles pareciam enfeitiçados com tamanho esplendor.

— É magnífico! Esplêndido!

Em seu tear, Aracne havia tecido uma cena representando os deuses dominados por sua fraqueza e baixos instintos. Cada detalhe na tapeçaria era um insulto aos deuses do Olimpo. Especialmente, bordara o poderoso Zeus e todos os seus amores proibidos. Aracne ousou ilustrar Zeus sob a forma de touro, arrebatando Europa; sob a forma de águia, abordando Astéria; sob a forma de cisne, conquistando Leda; sob a forma de sátiro, fazendo amor com Antíope. Zeus fazendo-se passar por Anfitríon para seduzir Alcmene, mãe de Heraclés; disfarçando-se de pastor para fazer amor com Mnemosine, mulher-titã; e, ainda, Zeus conquistando Egina, Deméter e Danae, disfarçado de chama, serpente e chuva de ouro, respectivamente. Todos os gráficos foram rodeados por uma coroa de louros com pequenas flores harmoniosas. A jovem estava emocionada com o resultado. Nem ela imaginava que fosse capaz de tal perfeição.

— Tende coragem de aplaudir esta mulher? Ela está ofendendo o poderoso Zeus! Olhai para isto e julgai!

E, como ninguém lhe dava ouvidos, inclusive Hera, que deveria aborrecer-se por tamanha ousadia, Athena puxou sua espada e disse zangada:

— Que pena! Mas que esta seja uma lição para que todos aprendam que a arte nasce do Amor e não da Provocação!

Agarrou a tapeçaria de Aracne e a fez em mil pedaços. A jovem artista gritou, blasfemou, chorou, vendo o trabalho de sua vida destruído pela cólera da Deusa. Não conseguindo suportar tamanha humilhação, correu para fora em desespero à procura da morte. À medida em que Athena rasgava e picotava trabalho tão magnifico, sua raiva ia diminuindo. Por fim, voltando a si, envergonhada, viu o que sua cólera havia provocado. Voltou-se para procurar Aracne e a encontrou pronta para saltar nos braços da morte. Com pena de moça, no momento em que a jovem iria se enforcar, Athena sustentou-a no ar, impedindo que se estrangulasse e, em seguida, derramou sobre Aracne fluídos retirados das ervas da deusa Hécate. A corda transformou-se num fio translúcido e a mortal sentiu que a cabeça e o corpo lhe diminuíam de volume; minúsculas patas lhe substituíram os braços e as pernas, e o resto do corpo se transformou num enorme ventre.

— Viverás, Aracne, mas ainda assim serás punida pela ousadia em querer ridicularizar meu pai. Ficarás para sempre pendurada desta maneira; este será o teu castigo e de toda a tua posteridade.

Já ia dando as costas para se retirar, quando percebeu um ruído vindo da árvore. Voltou-se e viu que a criatura negra movimentava suas pernas com extraordinária agilidade, costurando um manto com uma seda extremamente fina, que retirava de seu dorso abaulado. Aos poucos, Athena viu surgir diante de seus olhos um magnífico bordado circular, que excedia a tudo que ela antes já fizera, como se Aracne, mesmo sob aquela odiosa forma, tivesse se tornado ainda mais talentosa, com seus diversos braços. A Deusa percebeu que, apesar da arrogância e soberba tê-la corrompido, o amor da jovem pela sua arte era puro e verdadeiro. Mesmo naquela forma diminuta e decadente, ela continuava dedicando sua vida a tecer. Do Olimpo, Athena zelaria por ela, pois o tear de Aracne ainda contianuaria encantando as Ninfas, os deuses e os homens por muito tempo.

Athena e Aracne Parte I







Muito se fala que Athena é uma Deusa branda, serena e amante da beleza e da perfeição. Sempe guiada pela sabedoria, prudência, capacidade de reflexão e poder mental. Mas, contavam os antigos que, certo dia, no entando, asssim como o céu claro se turva em nuvens escuras e assustadoras, tbm se turvou o semblante da Deusa.


Havia em Pafos uma mulher conhecida como Aracne - dela provinha grande fama pelo belo dom 
de tecer as mais incríveis artes na tapeçaria. Ela aprimorara o seu dom com o tempo, lapidando a peça rara que estava no manusear dos fios. Até mesmo as linhas sedosas usadas por Aracne eram exepcionais, pois toda a matéria-prima era rigorosamente selecionada, cabendo apenas a mercadores persas e fenícios a honra de fornecê-las. Seus trabalhos eram tão admiráveis que pedidos chegavam dos mais ilustres personagens da história.  Aracne era a mais talentosa fiandeira do lugar e usava os torneios anuais para consolidar a sua fama. Por conta disso, a cada ano diminuía o número de mulheres interessadas em competir.  


Contudo, o que muitas vezes parece ser uma benção na vida de alguns, torna-se facilmente uma maldição. Conforme crescia a fama da tecelã, crescia também a prepotência e a soberba diante dos homens e dos deuses. O trabalho de seus aprendizes passou a lhe servir apenas de pano de trapo, independentemente do esforço ali colocado, do tempo perdido e do amor dedicado. Diante de seus olhos, somente suas próprias obras eram dignas de admiração. Acostumada aos elogios, Aracne não se dava ao trabalho de agradecê-los, muito pelo contrário, adulá-la era um requisito básico para quem desejasse alguma peça feita por tão preciosas mãos.


 - És aprendiz da divina tecelã! Que belo presente o dom que recebeste dela. 
Diziam as bocas que a enalteciam. Mas o que se tratava de um elogio, era para ela a mais terrivel das afrontas. 


 - Ora, mas isso é um absurdo. Nem mesmo a própria Deusa é capaz de tamanha beleza em seus trabalhos. 
Assim decorria em sua mente. Porém, nada dizia e, para não parecer irritada, permitia uma leve risada de desdém. Em sua mente, ela se via então elevada à condição de Deusa das artes manuais, soberana de toda magna Grécia, a dama dos fios de ouro - e outros títulos ainda mais ostensivos .


Muitos foram os dias que Athena placidamente viu-se humilhada por aquela mortal, e nos átrios de sua sabedoria lamentava por tais atitudes. No entanto, conforme a soberba e o orgulho cresciam no coração de Aracne, também crescia a impaciência de Athena. Certo dia, impelida pelos Deuses, Athena resolveu descer e acabar com toda essa arrogância. Primeiro se transformou numa camponesa idosa e bateu à porta da tecelã que atendeu, surpresa. A senhora, muito humildemente disse:


 - Aconselho-a a ser mais discreta minha jovem. Não desafie a honra dos deuses, pois certamente, em algum momento, a ira de algum deles cairá sobre ti. 


 Aquelas palavras, a seu ver, mais pareciam insultos do que conselhos. Cega pela raiva, vociferou: 


 - Que a senhora guarde seus conselhos para as filhas pobres e inúteis que tens. Ora, e que méritos teria eu se devo exclusivamente a ela meus talentos? A nada devo agradecer, se não aos meus anos de esforço e trabalho para chegar a tais resultados. Sou melhor tecelã que ela. Se não, porque então ela evita competir comigo?


Um vento forte e frio de congelar os ossos inundou o lugar, e a voz quase sumida da senhorinha deu lugar a uma voz poderosa e cheia de autoridade:
  
- É esta, então, a idéia que tens de mim, atrevida?!


Disse Athena. E então se desfez do disfarce, surgindo em todo o seu esplendor diante da tecelã e das pessoas que ali estavam. Alguns recuaram assustados, enquanto outros se prostraram diante da Deusa, respeitosos. Aracne, contudo, não se mostrou tão impressionada, continuou de pé com semblante arrogante, encarando a Deusa nos olhos. Nos instantes intermináveis em que o olhar das duas se cruzavam, Aracne se perdia em pensamentos de como desmoralizar a Deusa numa disputa. Como fazer com que as pessoas que se ajoelhavam diante de Athena, no futuro, viessem a se ajoelhar diante dela? Tão logo pensou nisso, propôs o desafio à Deusa e, tamanha era a sua confiança, que assegurou que estava disposta aos seus castigos caso perdesse.

Hashis de marfim



Na antiga China, um jovem príncipe resolveu mandar fazer, de um pedaço de marfim muito valioso, um par de hashis*. Quando isto chegou aos ouvidos de seu pai, que era um homem muito sensato e responsável, este foi ter com seu filho e explicou-lhe:

— Não deves fazer isso, porque esse luxuoso par de hashis pode levar-te à perdição!

O jovem ficou confuso. Não sabia se o pai falava a sério ou se estava a brincar. Mas o rei continuou:

— Quando estiveres à mesa com teus hashis de marfim, verás que não combinam com a louça de barro que usamos à mesa. Vais precisar de copos e tigelas de jade. Ora, as tigelas de jade e os paus de marfim não admitem iguarias grosseiras. Precisarás de cauda de elefante e fígado de leopardo. E quem tiver comido cauda de elefante e fígado de leopardo não vai contentar-se com vestes de cânhamo e uma casa simples e austera. Irás precisar de muita seda e palácios sumptuosos. Ora, para teres tudo isto, vais arruinar as finanças do reino e os teus desejos nunca terão fim. Depressa cairás numa vida de luxo e de despesas sem limite. A desgraça irá atingir os nossos camponeses, e o reino afundar-se-á na ruína e desolação.

Os teus hashis de marfim fazem lembrar a estreita fissura no muro de uma fortaleza, que acaba por destruir toda a construção.
O jovem príncipe esqueceu o seu capricho e mais tarde veio a ser um monarca reputado pela sua grande sensatez.

(Conto do filósofo chinês Han Fei, oito séculos antes da nossa era.)

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Gosto dessa história porque me lembra de uma cena engraçada com minha mãe...
  
No Jardim de Infância uma menina roubou meu casaco e não quis devolver. Para me vingar roubei sua caneta com cheirinho de morango, e só iria devolver se ela me devolvesse o casaco (que tinha meu nome marcado nele ¬¬). Ao chegar em casa minha mãe me viu fazendo os deveres e perguntou:
 - Filha, de onde tu tirou essa caneta da moranguinho?
 Depois de muita enrolação, contei a verdade pra ela. Imaginem uma baixinha ficando vermelha e gesticulando com fervor, falando alto e dizendo: 
 - Criatura, isso é errado... hoje é uma caneta, daqui a pouco vai ser um carro e depois uma casa inteira...
 E assim continuou por váááários minutos...
 
Moral da história, fiquei com tanto medo de me tornar uma ladra de casas inteiras que nunca mais peguei nada de ninguém... rsrsrsrs.
Não foi tão chique quanto o rei, o principe e seus hashis... mas eu entendi o recado. XD
Valeu mãe! ^_^

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*Hashi: palitinhos usados como talheres pelos orientais para pegar alimentos


Pedra, árvore e gente

Muitos dos contos e fábulas que conhecemos hoje, tem uma origem mais assustadora e maligna do que a maioria das pessoas imagina. Essas estórias tinham, em sua maioria, o intuito de assustar as crianças para que elas não fizessem determinadas coisas. Outras eram apenas relatos fantasiados de verdades mais cruas. Séculos depois, estas estórias foram reescritas de forma a tornarem-se mais inocentes e apresentáveis.

Essa prática perdura em muitas das estórias posteriores e o resultado é que estes contos - e aqui eu incluo os folclóricos mais recentes - perderam o interesse para a maioria das pessoas. Passaram a ser vistos como algo sem graça, herança desbotada dos mais velhos ou algo bobo para crianças. Assim, são poucas as pessoas que irão apreciar estas coisas pelo seu valor per se. E é por isso que eu tive essa pequena idéia de transformar algo que, eu confesso, também achava bobo, em algo mais atraente, revelando somente o potencial escondido em uma velha tradição.

Esse conto é dedicado ao meu amor, dona desse blog. Espero que gostem.



Pedra, árvore e gente
(G.F. Matos)

   Um pescador chega em casa depois de passar a madrugada em alto-mar, provendo seu sustento.
Uma fina linha de fumaça pode ser vista saindo da chaminé. O homem encontra a casa aquecida e o café fresco, ainda quente. Sua filha dorme enrodilhada em uma manta velha, aos pés do fogão. Ele recolhe a menina em seus braços e a põe na cama. Sempre que ele chega do mar, ela está a esperá-lo, ainda que, muitas vezes, adormecida. Ele senta junto à mesa e saboreia o café, enquanto se distrai com a respiração leve da menina. Os tempos são difíceis, o trabalho é escasso. Os resultados da pesca mal conseguem suprir a subsistência. Os habitantes da cidade parecem não se importar com isso, e sim com a vida alheia, com estórias rasas e fantasias inúteis.

    No dia seguinte, o homem se dá conta que adormecera na cadeira enquanto pensava na vida e em suas opções. O sol já ia alto e sua filha já havia iniciado as tarefas domésticas. Ele se levantou e a abraçou, ternamente. Desde que sua esposa morrera, a garota era sua única preocupação no mundo. Ele sentia-se muito mal pela sua condição financeira e por não poder dar as coisas que sua filha merecia - afinal, ela era sempre prestativa e o apoiava em tudo. Por isso, havia alguns meses, o pescador guardava cada centavo que lhe sobrava. E naquela semana, ele teria dinheiro suficiente para comprar um presente para sua filha. Com sorte, antes de ter que partir para a alto-mar novamente.

    Foi numa sexta de muito vento que ele voltou para casa arregando um pacote azul com um grande laço de fita vermelha em cima. A menina ficou parada por alguns segundos, olhos arregalados, sem reação. Então correu e abraçou o homem, atentando-se ao pacote só depois que ele lhe afastou carinhosamente. Desfêz o papel gentilmente, dobrando-o para que pudesse usar novamente, secretamente pensando em como retribuir. E lá estavam eles, brilhantes e azuis - um par de sapatinhos de vinil. Sem coragem para calçá-los, ela passou a noite olhando para eles, como se possuíssem um quê de magia. Só desviou sua atenção quando lembrou-se de algo que queria contar a seu pai - uma estória que ouvira da vizinha. Mas o pescador estava cansado e não queria ouvir estória alguma. Já bastava as pessoas medíocres da vila e as vidas alheias que elas gostavam de acompanhar, mais do que a delas próprias. Ademais, ele partiria novamente para alto-mar no dia seguinte.

    Dois dias depois, o homem retorna e encontra a casa quieta e fria. Nenhum sinal de sua filha.
Assustado ele bate nas casas vizinhas em busca de alguma informação, mas tudo que lhe dizem parece loucura, fruto de imaginações férteis, alimentadas por anos de baboseira. O pescador se recusa a acreditar em uma palavra sequer e retorna à casa, com receio que sua paciência se esgote e ele acabe perdendo o controle. Indignado, ele espera por umas poucas horas e depois, não mais suportando a demora, calça suas botas e parte. Rezando para que esteja tudo bem, mas temendo pelo pior, ele vasculha a praia e seus arredores à procura da menina. À luz do lampião, ele procura com cuidado entre as rochas do costão, sem sucesso. As horas avançam e a lua já se faz alta no céu, quando o homem desaba a chorar, já desesperado.

    Sua única alternativa são as histórias sem sentido que seus vizinhos balbuciaram. Talvez elas
tivessem algum fundo de verdade, que fizesse algum sentido. Ele não podia acreditar que havia algo maligno escondido naquele morro. Essas coisas não existiam na vida real, mas talvez a loucura daquele povo tivesse transformado um perigo real em um perigo imaginário - o que só fazia a raiva dele crescer. Talvez, se eles não tivessem distorcido a verdade, sua filha tivesse levado a sério e tomado mais cuidado. Tomado de raiva, o homem pegou um facão e reabasteceu o lampião com querosene. Ele subiria o morro atrás de sua filha e do que quer que houvesse lá em cima. Se nada encontrasse, no entanto, algumas pessoas iam ter que se explicar de uma maneira ou de outra.

    A lua vai alta e as horas mortas já se aproximam, quando ele chega a uma clareira no alto do monte. Uma sensação estranha se apossa do pescador, os pêlos da nuca se eriçam, o estômago embrulha. Um cheiro irreconhecível, porém angustiante, parece preencher o ar noturno. Por um momento ele fraqueja e imagina se a criatura temida pela população é de fato um mito. Ele engole em seco e balança a cabeça, tentando se livrar daqueles pensamentos incoerentes. Enche os pulmões e se prepara para gritar o nome de sua filha, mas pára em meio ao movimento, prendendo a respiração. Um som estranho corta os ruídos noturnos - um som chilreante, como água fervendo. Permanecendo imóvel e concentrado, o homem consegue sentir uma pequena vibração no solo, como centenas de pequenas pancadas distantes. Novamente ele tenta se convencer de que existe uma explicação razoável para aquilo tudo, mas não consegue. Dizem que a coisa come tudo, pedra, árvore e gente. Ele observa uma das árvores ao redor da clareira e percebe marcas peculiares nos troncos, nas pedras. Até a trilha que sai da floresta tem uma marca peculiar.

    O pescador dá um passo atrás e faz menção de virar-se para ir embora, mas algo lhe prende os olhos. Um vulto negro começa a deslizar, saindo de uma das fendas da rocha. O silvo se torna mais alto, mais distinto, assim como a vibração sob seus pés. Aquela criatura saída dos pesadelos se enrodilha e desliza pela encosta - olhos vívidos e malignos refletem a luz prateada do luar, centenas de pequenas patas castigam o chão em uníssono. O pobre pescador nada pode fazer, paralizado de terror. Aquela coisa parece não notar sua presença e vai se afastando, cascateando morro abaixo, como uma serpente feita de sombras e medo. Quando o pobre homem recobra suas capacidades, ele nota que as patas da criatura não são uniformes: cada par parece diferente em tamanho e cor. Quando suas pernas permitem, ele avança cautelosamente, a tempo de ver a cauda do bicho livrar as rochas.

    Ali, mais de perto, ele pode ver melhor a coisa cujo apetite é insaciável. A serpente que tudo come: pedra, árvore e gente. Abaixo dela, centenas de pares de pés - descalços, de botas, de tênis de sapatos. Todos os miseráveis que cruzaram seu caminho ali, condenados a carregar o causador do próprio fim. O pescador sente a boca secar e até mesmo a sua raiva empalidece ante a verdade serpenteante e negra. Suas pernas fraquejam e ele cai quando o último par passa por ele - sapatinhos de vinil, azul e brilhantes.

    Os moradores da vila dizem que, naquela noite ouviu-se um grito terrível vindo do morro. Apesar de ainda haver muita discussão, a maioria das pessoas concorda que o que a voz dizia era:

    - BERNUNÇA!

    E reza a lenda que, depois daquilo, sempre que alguém avista a Bernunça e sobrevive para contar, fala sobre um par de sapatinhos azuis, seguido por botas de pescador.




Arreda, arreda,
Senão ela te come!
Arreda do caminho
Que a Bernúncia tá com fome!

A bernunça é personagem da estória do boi-de-mamão (boi-bumbá ou bumba meu boi).
Diz a cantiga:

TAVA DEITADO NA SOMBRA
QUANDO OUVI FALAR EM GUERRA
QUANDO ACABA ERA A BERNUNÇA
QUE VINHA DESCENDO A SERRA

A BERNUNÇA É UM BICHO BRABO
JÁ ENGOLIU MANÉ JOÃO
COME PÃO, COME BOLACHA
COME TUDO QUE LHE DÃO

(G.F. Matos)

Pequena história explicando o pq do nome da linda praia.


Joaquina

Na Lagoa do século XIX, passou-se uma estória de amor e tragédia envolvendo o jovem casal Joaquina e Alberto. Joaquina filha de seo Aparício e dona Aninha, e Alberto um jovem pescador da Lagoa. Casal amoroso, Joaquina pedia-lhe que não fosse mais ao alto-mar, reclamando da ausência constante do seu amor. Alberto assegurou-lhe então que aquela seria sua última vez. E assim, aconteceu o inesperado. Albertinho não voltou mais do mar desaparecendo da vida de Joaquina na mesma ocasião em que perdera Ana, sua mãe e seu avô, restando-lhe somente o pai para cuidar. Mesmo morando na Lagoa, apesar da recusa do pai, passou a atravessar o areial (dunas) até a praia do mar grosso justificando tirar mariscos das pedras do costão para ajudar no orçamento da casa. Na verdade, estes passeios serviam simplesmente para que, olhando o mar, lembrasse do seu eterno amor. Passados três anos da morte do marido, a moça antes alegre e cheia de vida, demonstrava sinais de mulher sofrida e maltratada pela saudade. Como uma sina que lhe perseguia, numa manhã morre Aparício, em casa, em sua cama, como se entregasse voluntariamente à Deus. Assim, Joaquina deixa a Lagoa para morar na praia do mar grosso, isolando-se numa casa ao pé do costão. Sendo que, ao amanhecer de um dia de setembro sobre as maretas e a areia da praia, Joaquina é encontrada morta. Talvez por não poder mais suportar a falta dos seus entes queridos. A partir daí, a praia do mar grosso passou a ser conhecida como a praia da Joaquina.

(Baseado no livro Joaquina - A Garota da Praia, de Ademar C. de Mello)

Conflito entre dois lobos



Um velho cherokee dava lições de vida aos seus netos.

“Está se travando uma luta dentro de mim. Luta terrível, entre dois lobos.
Um é o medo, a cólera, a inveja, a tristeza, o remorso, a arrogância a auto-piedade, a culpa, o ressentimento, a inferioridade e a mentira.
O Outro é a paz, o amor, a alegria, a delicadeza, a benevolência, a amizade, a empatia, a generosidade, a verdade, a compaixão e a fé.
A mesma luta está se travando dentro de vocês e de todas as outras pessoas…”

As crianças puseram-se a refletir sobre o assunto e uma delas perguntou ao avô:

”Qual dos lobos vencerá?”

O ancião respondeu:

”Aquele que for alimentado…”

Cada vez que decidimos trilhar algum caminho, alimentamos um desses dois lobos.
Qual deles irá vencer dentro de você?

Iniciação dos Cherokees



Essa é uma história enviada por uma amiga muito especial. Se trata de um
rito de passagem da juventude para a maturidade.

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Ao final de uma tarde, quando o sol já vai se deitando para descansar de sua jornada no horizonte, o pai convida seu filho para uma caminhada pelas trilhas da floresta, que os levam até os pés da montanha, e de lá até o topo. Lá em cima, onde os ventos cantam sabedoria e trazem as vozes de nossos ancestrais, o pai venda-lhe os olhos e o deixa.

O jovem fica lá, sentado, sozinho, tendo por companhia apenas ele mesmo toda a noite, não podendo gritar por socorro e nem remover a venda dos olhos.
Enquanto a roda das estrelas vai passando, ele se sente ameaçado e ouve todos os tipos de sons que a noite faz. Se imagina rodeado por animais selvagens ou humanos que podem machucá-lo. Sente frio, fome, sede, medo e os insetos a castigarem sua pele. Mas o jovem se mantém firme e disciplinado, nunca removendo a venda que lhe cobre os olhos.

Assim é até que o sol, com seus dedos quentes e aconchegantes, acariciem seu rosto no dia seguinte e a venda seja removida. Ele então descobre seu pai sentado ao seu lado, próximo a ele. Estava ali, a noite inteira, protegendo seu filho do perigo.

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Obrigada, minha linda, por mais uma história para eu contar ao redor da fogueira, ou deitada numa rede no fim de ano. ^_^